quinta-feira, 14 de maio de 2020

Muitas coisas

Muitas coisas aconteceram nos últimos 2 meses. Muita coisa mesmo. Devido a pandemia do novo coronavírus, tudo ficou de pernas pro ar. A vida de todos. Tudo. Eu acho que vou quase escrever um mini livro aqui. São tantas coisas. Muitas coisas. Eu. Os outros. Nós. Todos nós.
Estou em casa, sem trabalhar, desde o dia 17 de março, terça-feira. Desde que tudo começou, eu fiquei muito assustada (ainda estou). Se pudesse, eu não sairia de casa de jeito nenhum, mas tive e tenho que ir ajudar meus pais, porque a senhora que trabalha na casa deles fazendo tudo, também teve que se recolher para sua e nossa proteção. "Se puder, fique em casa."
E assim, desde então eu tive que assumir o que ela fazia, pois meus pais não tem mais essa condição. 
Não vou negar, foi bem difícil o começo. Agora deu uma melhorada. Eu tive que sair da minha zona de conforto, tão arraigada em mim, pra fazer coisas que habitualmente eu não faço mais. Só quando bate a disposição. Eu raramente cozinho, quem faz a comida é meu marido e minha filha. Acho que o que mais faço em casa é lavar louça. Limpo e arrumo a casa quando quero, na maioria das vezes só dou um jeito pra ficar organizado. Ah, e lavo roupa. Essa atividade é da minha conta.
De repente, tive que passar a fazer o que não faço no meu dia a dia. Na casa da minha mãe, eu lavo roupa todos os dias, varro e limpo chão, dou o almoço deles, que Celso faz para todos, ou Ingrid, e as vezes, até eu. Lavo louças, recolho, dobro e guardo as roupas do varal. Cuido dos cachorros e tento manter o quintal onde eles ficam, limpo. To-do-di-a. As vezes peço a Ingrid pra me ajudar. Mas o trabalho é meu. 
Minha relação com minha mãe juntas o tempo todo não dá certo. Não está dando certo. Acho que por causa das duas, mas acredito que mais por mim. Muitas coisas aconteceram nos últimos meses. Desde setembro quando ela caiu e fraturou o pulso. Foi internação, cirurgia, fragilidades, cuidados, teimosia... Descobertas. Meses antes dela cair, eu descobri que ela tem um amante há anos. No início, fiquei chocada, mas não senti revolta ou coisa parecida. Pelo contrário. Não me senti no direito de atacá-la ou de cobrar nada por isso. Tive curiosidade em saber se os meus irmãos já sabiam e quem mais, porém não tive coragem de falar sobre isso, afinal e se não soubessem? Como seriam suas reações? Mas, depois de um tempo descobri que, pelo jeito, só eu é quem não sabia... Todos se mantiveram calados cientes dessa vida dupla da minha mãe. Com certeza, cada um teve os seus motivos. Mas aí, eu passei a ficar irritada com essa realidade. Vi minha mãe, saindo escondida pra se encontrar com ele, mesmo sem poder devido a sua fragilidade física. Os problemas de saúde se instaurando rapidamente, com desequilíbrios constantes, dificuldades de raciocínio, lentidão nos movimentos, quedas atrás de quedas... Comecei a levá-la ao médico. Mas ainda escapulia para os seus encontros, mesmo com o pulso operado e braço na tala de gesso. Minha mãe tem 70 anos, mas aparenta ter bem mais devido suas dificuldades de movimento e fraqueza. 
Eu brigo muito com ela, porque fico preocupada de que ela caia, se machuque feio, se queime no fogão, e sempre acho que ela não faz por menos, dificultando sua vida, correndo riscos, sendo imprudente. Dizem que velhos são teimosos, percebo que sim.
Meu pai é acamado. Desde que teve um AVC há 10 anos. No início, andava com muita dificuldade e ficava sentado pra assistir tv, fazer suas refeições, ler o jornal e fazer palavras cruzadas. Mas com o passar dos anos, não deu mais. Enfraquecido e sem conseguir andar, hoje só sai da cama para tomar banho na cadeira higiênica, carregado pelos meus irmãos que se revezam nessa função.
Meu pai sempre foi uma pessoa sedentária, nunca foi muito ativo. Trabalhou burocraticamente toda a vida, sentado atrás de uma mesa. Diferente da minha mãe, que sempre teve muita energia e nunca foi de ficar parada. Ela trabalhou por bem mais de 30 anos vendendo Yakult de casa em casa, andando nas ruas, só parando após a queda que fraturou o pulso, porque obrigamos que parasse. Hoje eu imagino que ela tenha unido o útil ao agradável, trabalhando assim, porque sem dúvidas, ajudava nos seus encontros extraconjugal. E eu fico ainda de boca aberta em pensar que essa relação tem anos de existência. Me sinto tão bobinha. Eu nunca fui mesmo muito antenada nas coisas, na vida, em observar o que se passa ao meu redor... A minha ingenuidade, as vezes me assusta! Fico pensando se meu pai sabia que era traído. Eu creio que sim. Se não sabia, desconfiava e muito. Mas acho que sabia sim. O que levou os dois a seguirem suas vidas assim, eu não tenho idéia. Talvez a comodidade da vida em comum, talvez a discrição, ou a família... Será? Ou será que ele amava ela? Porque com certeza ela não o amava. Pensar nisso me deixa triste. Nunca vi carinho nem beijinho entre eles na minha infância, nem depois. Achava que tinha a ver com a geração deles, com a educação que tiveram. Eu estou com 51 anos e não sei o que pensar. 
Essa pandemia que nos colocou em isolamento social, que fez com que eu tivesse que ficar mais perto deles pra lhes dar assistência, ao mesmo tempo que me tirou do meu eixo, também me mostrou uma outra realidade. E essa, está me maltratando. Eu não queria estar lá tendo que fazer o que estou fazendo, e isso me faz sentir culpada porque eles precisam de mim. Não só de mim, mas também dos meus irmãos. Só que parece, ao menos eu vejo e sinto assim, que só eu me desgasto, me estresso, me envolvo e me preocupo com seus problemas. E isso está me consumindo muito. Eu acho que não estou sabendo lidar com essa minha nova realidade de ter que fazer as coisas por eles. A ficha não caiu que minha mãe, sempre tão independente, ativa, cheia de energia, não existe mais. Restou um corpo cansado, sem equilíbrio, uma cabeça que acha que pode fazer alguma coisa, mas que não deve porque o corpo não aguenta. Eu quero a minha mãe de volta. Aquela que fazia acontecer, que incomodava por ser "metida", que ajudava a gente, que tinha iniciativa e independência. 
Eu tenho consciência nesse momento que não sou uma boa filha. No momento em que ela mais precisa de mim eu não consigo lhe retornar tudo o que ela me deu e fez por mim. E isso me dói, me faz sentir péssima. Eu não queria reclamar com ela, brigar com ela, ser chata com ela. Mas é só o que eu faço... Eu venho pra casa e penso, sinto, reflito, faço minha mea culpa, digo a mim mesma que não tenho que fazer assim, que não vou mais fazer assim, em vão. 
Eu me preocupo tanto com ela e tenho tanto medo que ela se machuque gravemente... são tantas quedas, tanta coisa que sem fazer por onde ela já se dá mal, imagine inventando modas sem necessidade? Aí pego pesado e quando dou por mim, percebo que não precisava ter sido tão dura... Sinto que faço tudo errado e não me perdoo por isso. Preciso ser melhor. Preciso ser melhor. Preciso ser melhor.